Freud explica.

"...mas eu não sou maluca, porque eu tenho que fazer terapia?" 

Mas nem todo mundo que faz terapia é maluco e nem todo maluco faz terapia, algumas pessoas sensatas me disseram. 

No entanto, quando adentrei o consultório de Raul e ele me perguntou: "então, Dora, o que te traz aqui?", eu não tive dúvida: "a loucura".

Como negar? Como esconder as sabotagens, os delírios, as ideías neuróticas e a ansiedade descabida? Só pode ser loucura, Raul. Favor me cure, conserte, remende, faça ae a sua mágica psicoterapêutica. Me ensine a viver, a lidar com a vida. 

"mas você já tinha feito terapia antes?"

Nem. Me achava resiliente demais, forte demais, centrada demais. 

"então não faz ideia de como seja o processo?"

Ninguém quis me contar. Me falaram que é o tipo de coisa que você tem que ver para saber. Raul também não me respondeu. Pediu para eu falar de mim, da minha família, perguntou se eu tinha amigos. Falei o que pareceu ser uma hora inteira. Já queria pedir água quando ele falou: "então nos vemos segunda?"

E eu pensei que eu devo ser mesmo grave. Olhei para o relógio e eram 21:35. Sorri e parti ainda alienada do processo, desconfortável por tudo que disse, mas principalmente do que omiti. Pintei uma versão caricata  de mim. Escolhi o divã a poltrona. Isso com certeza fala algo sobre mim.

Me intriga saber o que será.


Das coisas que eu não sei.

Na adolescência, quando alcancei o ensino médio, não tinha nada mais temeroso para mim que as aulas de física. Eu acompanhava muito bem o professor enquanto ele fazia conosco uns exercícios no quadro. Quando era a minha vez de fazer sozinha, meu Q.I. caía para 20 e eu não passava de anotar umas trinta fórmulas na parte dedicada a resolver o problema. Deus sabe como eu passei no vestibular. Minha nota está lá: 1. Como eu tirei 1, eu não sei. Não consegui resolver uma questão inteira. Uns rabiscos, umas fórmulas, um professor corrigindo de bom humor, e voilá! Não zerei nenhuma, pude entrar na universidade pública.

Eu tive professor particular. Sim, minha mãe não me achava um caso tão perdido assim. Durante 6 longos meses, recebia uma vez por semana um paciente e solícito professor de física na minha casa que só foi capaz de atestar o que eu já temia: eu tinha muitos talentos. Física não era definitivamente um deles.

Conformada pela minha natural ignorância em assuntos que envolviam tão odiosa matéria, me esforcei para ser melhor em outras. Tudo relacionado a história me interessava, matemática eu sempre gostei. E por assim, fui. Sobrevivi.

No auge dos meus 20 e muitos anos [dos quais não pretendo sair. Sim, eu mentirei idade.], começo a desconfiar que não sou apta [veja, SOU no lugar de ESTOU, estou atestando permanência aqui, senhores e senhores] para nada relacionado ao amor entre homem e mulher [e no meu caso é homem e mulher, mas vocês entenderam a qual tipo de amor, não é?]. Não foram só os fracassos que me deram a pista. Não foi só a reflexão sobre o que fiz de errado repetidamente. Nem muito menos alguém que me disse, nem terapia, nem tarô, nem nada. Foi a aversão. Estou avessa ao amor, aos relacionamentos e aos envolvimentos. Não quero encontrar ninguém, e por isso quase não saio. Se saio e encontro alguém, não procuro manter contato. E se porventura o mantive, não tenho feito qualquer esforço para que se concretizem.

Triste? Indiferente, eu diria. Uma indiferença fria, verdade. Mas assim como a física, tenho focado em outras milhares de coisas e as coisas têm dado certo [no seu jeito atabalhoado de ser, é verdade, com um contratempo aqui e outro ali, não posso negar, mas ainda sim, dão certo].

E quem precisa de amor?
.
.
.
.
.
.
.
ah, é mesmo.... Eu.