Empezar


tudo que é início me assusta. Desconfio de tudo. Quero revirar os verbos e os predicados, encontrar sujeitos ocultos. É uma diligência. Quero ter certeza de tudo, controle de tudo. Eu tenho medo de sofrer. Mas apesar disso, eu acho que sofro bem. Espero tanto por esse sofrimento que quando ele chega é quase um alívio. Sou uma pessimista incorrigível, esperando sempre pelo próximo acontecimento que dará vazão ao que penso do mundo: nada nunca dará certo e se deu, nunca será por tempo suficiente para que eu vença essa ideia e aceite a felicidade.

Estou fadada. 

[no que tenho me] Tornado.

Eu me debato. Para vencer a estranha paz da inércia, eu me debato. Quando a superfície da água é calma, eu sou a tempestade que vem revirar tudo.

Eu procuro movimento. Mas não é movimento qualquer gracioso e suave. É um movimento de revolta, de revolução, que varre tudo pela frente.

e quando finalmente me acalmo. 
quando o cansaço finalmente me toma...
quando a energia enfim, me deixa.

Eu olho em volta. E tudo é destruição.
Nada restou intacto.

e estou arrependida.
Não houve uma vez em que eu não estivesse.

"É que só sei ser impossível, não sei mais nada. Que é que eu faço para conseguir ser possível?"*

Eu não posso te culpar por olhar para mim e não ver as rachaduras. Eu já me quebrei e juntei tantas vezes que ando um tanto desconjuntada. Minhas articulações rangem e você não ouve. Eu sou a bonequinha escangalhada no canto do brechó que ninguém soube cuidar. E quantas pessoas eu já deixei de ser. Mas você não sabe. Quantas eu fui, e sou de novo. E quantas ainda quero ser. 




*Macabéa. Clarice Lispector, A Hora da Estrela


a perfeição é monótona

a rotina é uma pedra no sapato que eu sou obrigada a calçar todos os dias. Ela me mutila lentamente. E seu incômodo é quase imperceptível. É uma perda de vida paulatina. É meu sorriso morrendo diariamente. E no fim não entendo a minha tristeza.

Tenho o que queria. O que pedi. O que achei que poderia me fazer feliz. Cheguei no final do arco-iris. Achei meu pote de ouro. Estou inerte. A alegria inicial se dissipou. Nada me desafia, nada me impele.

Procuro o conflito. A perfeição é monótona. Quero algo que dê vazão aos meus pensamentos.

A paz é apática. Só a guerra me impulsiona.

Bosquejos

Venho tendo problemas para escrever.
Só faço rascunhar.

Comecei a perceber que a incompletude dos meus textos é o dado mais aparente do meu atual estado, por isso os publico como estão.


"o copo meio vazio...

...vivendo a contra gotas."

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"somos sós. E até essa afirmação no plural não exemplifica nossa solidão.

Nascemos sós. Até os gêmeos nascem sós. Um de cada vez, empurrados pela maturidade de seus corpos. Quase expulsos pelo corpo da mãe. Choram sós."

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"Todas as forças do meu corpo para sustentar o contrato que firmamos.
Por vezes eu não respiro e nem percebo que seguro a respiração para impedir o apego de sair. Tento contraí-lo com todos os órgãos do meu corpo.

Dói.

O apego é como um polvo que empurra tudo por todo lado e cresce. Estou perdendo o ar. Vou desfalecer.

Não sei dizer se passo mais tempo dominando esses impulsos ou sob em seu domínio.

Eu acredito no contrato? Ou acredito que só por meio dele podemos ficar juntos? Ele é meio ou ele é fim?
Sustentarei?"

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"você fica com alguém. você gosta. você se interessa. você quer ficar com essa pessoa novamente. Qual o próximo passo? Não demonstrar. finja. corra. olhe pro outro lado. conte para essa pessoa sobre relacionamentos anteriores. fale que você sai, faz e acontece. apresente seus amigos mais sem noção.

Assim, reza a lenda, a pessoa correrá atrás de você cegamente.
o ser humano se interessa pelo inalcançável, pelo desafio, pela dificuldade.
o homem quer aquilo que ele não pode ter.

jogue jogo."

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"eu deveria comer, mas não tenho fome.
E quando estou com sono, não consigo dormir.
Minha boca está seca, mas eu não tenho sede.
Então eu corro, mesmo estando cansada.
Seco as lágrimas no vento e meus olhos vermelhos nublam minha visão."

Aurora

eu preciso ir embora, o sol já raiou.

A lua estava linda e enquanto o céu estava limpo, eu vi as mais lindas constelações. Mas a alvorada não tardou. O sol ofuscou nossas ilusões. E cá está o leste me lembrando que é hora de ir.

Desfaçamos os laços. Solta a minha mão. Eu digo que preciso ir. Você me diz que talvez eu devesse ficar. A sua dúvida me passa mais certezas do que você jamais poderá imaginar.

E você insiste que as coisas não mudam, mas podem melhorar. E nos falta o ingrediente que sela tudo. O filtro que nos permitiria acreditar que embora seja dia, nossa noite poderia ser eterna.

Não nos apaixonamos. Ou você não se apaixonou e eu luto ferozmente contra a ideia de que eu talvez esteja.

De que talvez eu esteja tão louca pela ideia de tê-lo para sempre, que eu poderia viver na sua sombra e ignorar o sol.

Mas eu preciso ir.

E quase não percebo que só meus dedos permanecem entrelaçados aos seus...

O incômodo conforto da dúvida.



Tenho tanto para te dizer. Queria te dizer que vejo muito potencial em nós dois. Queria dizer que gosto de você e que ainda não sei nomear isso. Queria dizer que você me provoca os sorrisos mais sinceros, os beijos mais gostosos e os prazeres mais intensos. Queria te dizer que guardei na memória o dia em que abri os olhos e você me observava dormir. Queria dizer que adoro quando você pede para eu repetir algo que fiz e você acha fofo.

Queria dizer. Mas morro de medo em pensar na sua reação, nas suas respostas. Temo que esse seja aquele tipo de sentimento que se alimenta da ausência, da insegurança, da desatenção.

Enquanto eu não sei, eu imagino, eu penso, eu fantasio. E me conforto na possibilidade sempre existente na dúvida.



Em tempo:

a vida tem estranhamente recompensado a minha intensidade em tudo, menos no que eu sou mais intensa: no amor.

3.14159 26535 89793 23846...

as dificuldades de se tentar quantificar algo que não é exato, não é definido, não é constante, não é frequente. Varia e sua conta tende ao infinito. Não tem ponto final, não tem vírgula. Cada frase acompanha uma intermitente reticência.

Eu procuro os sujeitos, mas ultimamente só encontro verbos e predicados que meu ego traveste em qualquer um.

Compreensão, entendimento. A contradição, o processo. Me aproximo e vejo um caleidoscópio que de tão forte, ainda mantém sua impressão mesmo depois que desviei o olhar. E eu desvio o olhar, mas ainda prende minha atenção, meu coração, meus sentidos.

E o que eu quero? Desconhecimento e confusão. Eu quero tudo. Quero a intensidade da paixão, a tranquilidade do amor, a variedade da lealdade e a segurança da fidelidade.

Quero saber que a ligação é tão forte que você me seguiria pelos vales mais profundos, escuros e misteriosos.

quem é você?

Sopa de letrinhas [os cafajestes também amam?]

às vezes eu posso jurar que tudo [e todos!] no mundo querem me fazer desistir de você. E eu bravamente devo resistir a essa investida do mundo. Eu, rambo, contra todos e contra tudo. Porque é disso que o amor verdadeiro é feito. De força de vontade.

Mas perae, eu não te amo. E você não me ama. Talvez o mundo também não nos ame. E enquanto eu remo aqui nesse barquinho contra a maré remexida da tempestade, eu me pergunto: vale o esforço? E logo em seguida: eu preciso fazer esforço? Será que os relacionamentos "bem sucedidos" [o que de perto é perfeito?] que eu vejo, presencio, testemunho, são frutos de um enorme esforço de uma das pessoas? Ou das duas, que seja? Ou será que eles dão certo porque seguiram um fluxo natural de acontecimentos?

Fato é que eu agora estou aqui, 66 dias depois, e permita-me dizer, 66 dias para o resto do mundo, porque para mim já se passaram 66 meses! Mas fato é que depois desse curto tempo, eu ainda acho que isso é uma aposta. É um risco que eu assumo correr ou não. Ou corro antes de assumir. Ou levo na sacanagem e na putaria. Ou faço tudo certo.

Não fazer nada também uma escolha. A inércia é uma escolha e nem sempre a dos covardes. A inércia pode ser a escolha dos indecisos. Como eu. E esperar para ver o que vai rolar não precisa ser uma escolha doída. Mas também não significa que eu esteja parada. E eu penso que as mesmas oportunidades de encontrar outra pessoa que você tem, eu tenho.

Eu quero encontrar outra pessoa? Bom, ai, senhoras e senhores, que mora a questão. Eu gosto de você. Precisava te dizer isso aliás. Você já tem todo o poder sobre mim mesmo. Uma informação a mais, uma menos não me deixa mais vulnerável do que eu já sou [era para escrever "estou", mas vou deixar esse ato falho].

e um dia para mim, ah esse dia vai chegar, eu tenho fé, vai chegar, tá vindo, eu vou experimentar isso tudo sem tanta dor. Um pouco de dor sempre tem. Mas sem tanta dor, sem o dolorido do minuto a minuto em que duvido de tudo, para me certificar de tudo e depois duvidar de tudo de novo e ficar nesse ciclo vicioso eterno.

Nesse ínterim, eu sofro do lado desse telefone, querendo ligar para você me falar de novo tudo que eu já sei. [ciclo vicioso, lembra?]

O aprendizado vem ou não vem da repetição?

Há meros devaneios tolos a me torturar.... [o médico e o monstro]

o dilema é o seguinte: tem a Dora que eu sou e tem a Dora que eu quero ser. O ideal de mulher melhor que eu imagino.

E é uma briga diária. Quem eu sou grita, esperneia e quem eu quero ser senta calmamente para ouvir. Argumenta em vão. Quem eu sou é mais forte, mais alta. Quem eu sou é impulsiva e quem eu quero ser racionalmente explica porque a paciência recompensa.

Quem eu sou está cansada do discurso. Quem eu sou demanda ação. Sai pela porta em disparada e só volta quando está tudo dinamitado.

Quem eu sou, então, está arrependida. Deveria ter ouvido quem eu quero ser. Mas quem eu sou parece ser surda, quiçá cega. Senta e chora enquanto quem eu quero ser a consola.

Quem eu sou promete que da próxima vez [promete como prometeu da última vez] vai seguir os conselhos de quem eu quero ser.

lar doce lar

eu tenho a ideia de que preciso de uma casa. E já morei em algumas. Não era a ideia de lar, não era o fato de ter um lugar para morar. Era ter a casa. Eu tenho amigos que têm casas há muito tempo e outros nunca param em casa nenhuma. Mas quem diga que não conseguimos viver sem essa casa. E eu acho que eu não consigo viver sem casa. Então, por vezes, a casa não tinha teto. Tinha as quatro paredes, mas não tinha teto. E não sei porque eu chamei aquilo de casa. E quando chovia, eu morria de frio e precisava limpar tudo que tinha ficado molhado. Era terrível para dormir. Houve a vez em que arrumei uma casa com tantas portas que eu quase não controlava quem entrava. Era muita gente naquela casa. Houve vezes em que eu trouxe pessoas diferentes para a casa. Teve a vez que a casa era escura, não tinha iluminação e eu sempre tropeçava quando estava lá dentro. Carrego as cicatrizes.  Aí, eu decidi que não precisava de casa coisa nenhuma. Passei quase dois anos vagando pelas ruas. Foi ótimo não precisar ficar preocupada se tinha trancado as janelas e as portas, se tinha desligado o gás, se havia comida, com a hora de voltar. Eu não tinha para onde voltar. Eu era livre dessas amarras. Vez ou outra, eu pensava em ter uma casa de novo. Pela casa, não pelo lar ou pelo lugar para morar.

Foi quando vi um terreno. Parecia bem iluminado, a localização não era ruim. Vez ou outra eu vou ao terreno e construo alguma coisa. Às vezes passo mais tempo que deveria, mas não tanto quanto queria. Até que eu comecei a reparar em certos sinais de ratos. Eu não vi os ratos. Mas eu vi os sinais. Agora olho para aquele terreno em que idealizei uma casa tão linda com tanto pesar e medo. Quase amaldiçoo toda a ideia de construir uma casa. Talvez eu pertença às ruas. Talvez eu possa dormir numa casa ou outra de vez em quando. Mas começo a ter certeza de que nunca terei um lar.

Sobre selos e afins

Eu acho que escrevo bem.
E eu não me acho Clarice, Raquel ou Machado.
Eu só acho que escrevo bem.
Algumas coisas eu faço mal.
Mas escrever é uma das poucas coisas que eu acho que faço bem.

Eu posso nunca escrever um livro. Nem um conto.
Morrer no esquecimento.
E provavelmente irei.

Mas eu acho que escrevo bem.
Mas custo a acreditar quando as pessoas acham que eu escrevo bem.
Acho que é amizade demais ou pena, ou falta do que fazer.
Ainda não me decidi.

Por isso, nunca retribui os selos que me deram.
E não é por ingratidão ou porque eu sou muito ocupada, ou ainda porque eu não sei anexar uma figura ao meu texto.

É por vergonha, modéstia demais. Ou porque me acho cult, ou pela necessidade de ser diferente.
Ou talvez porque eu sinta que meus textos me deixam por vezes nua.
E por isso, que de todas as pessoas que eu sou, aqui eu sou Dora.

Mas eu queria agradecer.
E obrigada.

Entende?

existe algo que me toma, que me machuca, que arde e desconforta cada vez que vejo que seu mundo não gira só ao meu redor. A garganta aperta, o peito dói e eu não sei dizer da onde vem a insegurança de perder algo que não é meu e nem nunca será. Mas o desconforto persiste, a dor insiste e eu me contorço em caprichos tentando lembrar de todas as vezes em que achei que você me pertencia, só para acalmar um coração infantil, imaturo e mimado que não sabe viver o amor sem aprisionar.

tão logo breve instante

eu não sei dizer. Respiro fundo e tento tirar minha mente do futuro.
Aproveite o momento, Dora. Aproveite o momento.
Eu olho para você e você sorri para mim.

- acho que já vou embora...
- você não tá feliz aqui?

E você não percebe que esse é o todo o problema. Eu estou muito feliz aqui. Eu passaria semanas em cima dessa cama, colocando e tirando a roupa, entre beijos, sexo, risos e histórias.

Respiro fundo. Estabeleço um horário. Eu vou às 3.

São 6. De repente, tempestade. Eu não trouxe guarda-chuva. Eu não gosto quando chove. Chuvas de verão e paixões passam rápido.

Respiro fundo. São 7. A chuva só piora. Eu quero fugir dali, correr desesperadamente. Deixa a chuva gelada me molhar, me acordar, me lembrar que é muito cedo para eu já te querer tanto.

Te puxo para perto de mim e parece que não há superfície de pele suficiente para saciar minha vontade de você. Te mordo, te aperto. Respiro fundo. Já são 8.

- eu realmente preciso ir.

Porque querer, eu não quero. Mas de alguma forma eu preciso provar para mim mesma que ainda tenho um mínimo de controle.

Eu vou com cada parte de mim querendo ficar.
Aproveite o momento, Dora. Aproveite o momento.

Eu não falo amor.

eu queria saber ser desapegada. Porque eu imagino que o amor demanda desapego. Porque eu acredito que o amor não tem condicional. Então, eu finjo ser desapegada. Eu finjo que eu não ligo que você já ficou com aquela menina logo ali sentada. Eu rio da situação. Rio de você ter se dado o trabalho de me contar. E por que, em um milhão de anos, isso seria uma informação necessária para alguém? Mas dentro de mim não há risos. Há contradição. É lógico que você não nasceu ontem. Nem anteontem. Você vem junto com uma história que você viveu nos seus vinte e poucos anos antes de sequer saber que eu existia. E nessa história inclui-se uma noite em que você ficou com aquela menina logo ali sentada de pernas cruzadas. Você ensaia uma justificativa qualquer por ter ficado com ela. A emenda fica pior que o soneto.

e eu já imagino que aquilo não vai dar certo de maneira nenhuma. Como eu posso ter um relacionamento com uma pessoa que já ficou com aquela menina ali sentada de pernas cruzadas e blusa clara? Por fora, eu sorrio. Mudo de assunto. Já viu como a lua está bonita hoje? Mas dentro de mim, eu não consigo tirar da mente aquela menina ali. Agora nem sentada ela está mais. Suas pernas já estão esticadas. Mas eu a continuo olhando de soslaio.

e penso que você me causa insegurança demais, medo demais, vontade demais. E eu te odeio porque contra todas as minhas generalizações, você faz questão de falar comigo todo dia. Morro de raiva que a gente tenha acordado e você tenha me dado um beijo de bom dia e tenha aberto a porta para mim para que eu pudesse voltar.

E eu odeio que mesmo você sendo quem você é, nesse tão pouco tempo [quanto tempo é pouco tempo?], mesmo a gente estando bem, e você ainda não tendo me dado motivos para duvidar, a única coisa que eu lembre seja a forma cáustica e erosiva que eu sei experimentar o amor.

am i falling?

primeiro é sempre o medo. Logo depois de atingida, sempre me vem o medo. Depois o desconforto. E é curioso que, embora tenha sido atingida no peito, eu sinta primeiro o desconforto no abdômen. O incômodo é forte e eu respiro fundo tentando me acalmar. Mas logo em seguida um frio me percorre a espinha e mesmo prostrada pelo impacto, eu sinto uma vontade incontrolável de caminhar distâncias longas, ainda que sejam percorridas de um lado para o outro. Minha visão nubla. Eu perco o foco. Minhas percepções estão alteradas. Meu juízo da realidade aos poucos me deixa. Pensamentos recorrentes. O colapso é iminente, eu não duvido.


e é assim que eu sei que estou a um passo de me apaixonar.

Não pertenço.

eu não pertencia àquele lugar. Eu não pertencia àquela casa de sala grande muitos quartos. Eu não pertencia ao seu mundo de conversas superficiais e às vezes machistas. Eu não pertencia ao seu quarto tão recheado de lembranças. Eu não pertencia ao chão frio do seu banheiro, à luminosidade excessiva da sua sala. Eu não pertencia à cobertura.

E porque eu não pertencia, também não pertencia a você nada de mim, nem meu corpo, nem meu prazer e por isso, e só por isso, eu sai de lá sem te dar nada.

impossible is something

Alimento uma ideia absurda e que demanda esforços intoleráveis para minha ansiedade.

Construiria pontes, estradas e cidades e o alcance desse horizonte ainda seria uma linha impossível de chegar. Desbravaria as florestas mais ocultas, com os bichos mais incomuns, envolta em toda sorte de perigos e meu suor ainda seria a vã prova de um empenho inútil.

Porque toda essa campanha que lidero esbarra no mais irreparável dos órgãos humanos: o coração. E quem diria que ao consertar o meu depois de todas as suas ações para machucá-lo, eu esbarraria no seu. E, curada de todas as mágoas que me causaste, fosse buscar consolo em você.




Freud explica.

"...mas eu não sou maluca, porque eu tenho que fazer terapia?" 

Mas nem todo mundo que faz terapia é maluco e nem todo maluco faz terapia, algumas pessoas sensatas me disseram. 

No entanto, quando adentrei o consultório de Raul e ele me perguntou: "então, Dora, o que te traz aqui?", eu não tive dúvida: "a loucura".

Como negar? Como esconder as sabotagens, os delírios, as ideías neuróticas e a ansiedade descabida? Só pode ser loucura, Raul. Favor me cure, conserte, remende, faça ae a sua mágica psicoterapêutica. Me ensine a viver, a lidar com a vida. 

"mas você já tinha feito terapia antes?"

Nem. Me achava resiliente demais, forte demais, centrada demais. 

"então não faz ideia de como seja o processo?"

Ninguém quis me contar. Me falaram que é o tipo de coisa que você tem que ver para saber. Raul também não me respondeu. Pediu para eu falar de mim, da minha família, perguntou se eu tinha amigos. Falei o que pareceu ser uma hora inteira. Já queria pedir água quando ele falou: "então nos vemos segunda?"

E eu pensei que eu devo ser mesmo grave. Olhei para o relógio e eram 21:35. Sorri e parti ainda alienada do processo, desconfortável por tudo que disse, mas principalmente do que omiti. Pintei uma versão caricata  de mim. Escolhi o divã a poltrona. Isso com certeza fala algo sobre mim.

Me intriga saber o que será.


Das coisas que eu não sei.

Na adolescência, quando alcancei o ensino médio, não tinha nada mais temeroso para mim que as aulas de física. Eu acompanhava muito bem o professor enquanto ele fazia conosco uns exercícios no quadro. Quando era a minha vez de fazer sozinha, meu Q.I. caía para 20 e eu não passava de anotar umas trinta fórmulas na parte dedicada a resolver o problema. Deus sabe como eu passei no vestibular. Minha nota está lá: 1. Como eu tirei 1, eu não sei. Não consegui resolver uma questão inteira. Uns rabiscos, umas fórmulas, um professor corrigindo de bom humor, e voilá! Não zerei nenhuma, pude entrar na universidade pública.

Eu tive professor particular. Sim, minha mãe não me achava um caso tão perdido assim. Durante 6 longos meses, recebia uma vez por semana um paciente e solícito professor de física na minha casa que só foi capaz de atestar o que eu já temia: eu tinha muitos talentos. Física não era definitivamente um deles.

Conformada pela minha natural ignorância em assuntos que envolviam tão odiosa matéria, me esforcei para ser melhor em outras. Tudo relacionado a história me interessava, matemática eu sempre gostei. E por assim, fui. Sobrevivi.

No auge dos meus 20 e muitos anos [dos quais não pretendo sair. Sim, eu mentirei idade.], começo a desconfiar que não sou apta [veja, SOU no lugar de ESTOU, estou atestando permanência aqui, senhores e senhores] para nada relacionado ao amor entre homem e mulher [e no meu caso é homem e mulher, mas vocês entenderam a qual tipo de amor, não é?]. Não foram só os fracassos que me deram a pista. Não foi só a reflexão sobre o que fiz de errado repetidamente. Nem muito menos alguém que me disse, nem terapia, nem tarô, nem nada. Foi a aversão. Estou avessa ao amor, aos relacionamentos e aos envolvimentos. Não quero encontrar ninguém, e por isso quase não saio. Se saio e encontro alguém, não procuro manter contato. E se porventura o mantive, não tenho feito qualquer esforço para que se concretizem.

Triste? Indiferente, eu diria. Uma indiferença fria, verdade. Mas assim como a física, tenho focado em outras milhares de coisas e as coisas têm dado certo [no seu jeito atabalhoado de ser, é verdade, com um contratempo aqui e outro ali, não posso negar, mas ainda sim, dão certo].

E quem precisa de amor?
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ah, é mesmo.... Eu.