Procrastinação (ou a vida cotidiana de qualquer estudante)

Ainda bem que eu não to namorando, nem ficando, nem dando, nem nada. Se não aíiii que eu não acabava esse trabalho mesmo!
E se eu contar que estou com quase 20 dias de atraso?
E que o pânico da última hora dessa vez não fez nem cosquinha na minha sem-vergonhice?

Pedi adiamento. Fui lá e pedi. Mas não devia ter pedido. Agora a culpa ganhou mais uns dias para aparecer. E ela tem demorado.

Vou terminar hoje.
Falei isso ontem.
E tenho a impressão que anteontem também.

E isso me deixa tão estressada.
E eu somatizo tudo!
Mau humor.
Um milhão de dermatites que eu nem sabia que existiam.
To empolada. To um dálmata.

Chego em casa depois de um dia de pesquisa.
Perae que eu vou checar rapidinho o facebook.
Ligo a TV. Deixo no mudo. O som me atrapalha. A imagem me faz companhia.

Loguei no MSN. Fica mais fácil ver o email. [aham, Cláudia, senta lá...]
Leio todos os emails. Abro todos os power points que meu pai me manda.
Tantas mensagens de superação e eu não consigo terminar um trabalho final de disciplina de 10 laudas.
Fecha o email.
Melhor deixar aberto. Vai que... A aba do facebook, eu nem pensei em fechar.

Alguém me chama no MSN. Foi-se o tempo em que as pessoas acreditavam no seu status "ocupado". Começa um debate.
Tudo ideológico. Tudo abstração. Ninguém sai vencedor.
Mas todo mundo sai menos convicto que entrou.

Deixa eu voltar pro trabalho. Deixa eu reler para continuar a mesma ideia.

Isso tá uma merdaaaaa. Mas é o que eu tenho. Eu vou terminar isso hoje.
Eu li que tomar sol é bom para ajudar a curar minhas perebas de estresse.
Será que vai fazer sol amanhã? Abro o google. Digito "sol".
Porra, Dora, quer ver se o sol postou no blog dele que amanhã ele aparece?

"previsão do tempo". Vai fazer sol. Beleza.
Relógio. 3 da manhã.
E o trabalho?

Eu vou terminar hoje.
Hoje só acaba meia noite.
Dá tempo.
Vou dormir.

Platão tem toda razão...

eu estava ali tão despretensiosamente que nem tinha gastado tanto tempo assim me vestindo. Não tinha me preocupado com cordões, estava com a minha argola que um dia foi prateada, minha bermuda que um dia foi calça e uma blusa antiga para combinar com meu visual largado.

Até que ele entrou na sala e eu me arrependi de tudo. Eu tentava disfarçadamente arrumar o meu cabelo que, com certeza, estava desarrumado pelo jeito nada convencional que eu me sento. Aliás, deixa eu sentar direito. Encostei as costas totalmente na parte de trás da cadeira, cruzei as pernas. Ele, sem fôlego, achando estar atrasado, preocupado em começar logo a aula extra para qual tinha sido convidado.

E você pode não acreditar em destino, mas eu sei que todas as vezes em que procastinei conversar com aquela professora sobre a pesquisa dela, foi para eu estar ali naquele dia. Naquele exato dia em que ela convidou um professor visitante.

Havíamos combinado que eu assistiria a aula dela, e depois conversaríamos. Okay, eu pensei. Que mal pode ter em ganhar um pouco mais de conhecimento? Até que ele surgiu na porta. E o mundo ficou em câmera lenta pelas próximas 4 horas.

Em suas primeiras palavras, eu não ouvia nada. Me encantava a forma como os seus lábios mexiam e eu olhava diretamente para eles. Quando a sua primeira frase chegou aos meus ouvidos, tão coerente, tão cheia de conhecimentos e fatos, eu não conseguia fazer nada. Só sorri. Anotei qualquer coisa no meu caderno.

Algumas palavras eu nem nunca tinha ouvido. Eu queria saber o dicionário inteiro. Eu queria voltar no tempo e acabar com todas as horas de estudo negligenciado. Eu queria saber tanto quanto ele. Eu queria contestá-lo, ao invés de só, boquiaberta, concordar com cada uma de suas conclusões.

Em silêncio, eu era igual a todas as outras mulheres na sala. Tão encantadas quanto eu. Era óbvio. Eu queria falar qualquer coisa, nem que fosse perguntar onde o banheiro ficava.

Mal consegui pedir licença quando a aula acabou. Ele estava entre mim e a porta. Conversava algo com alguém que eu não conseguia ver. O mundo ofuscado pela sua presença. Encostei de leve em suas costas e ele, tão interessado na conversa, nem me viu ao me dar passagem.

Quando a professora me questionou, minutos depois, eu fui sincera.

"ele é bom, né, Dora?"
"Excelente, professora..." - e falei baixo - "mudou minha vida..."

Tem coisas que mudam sempre... e outras.

Todos os anos as coisas são diferentes de alguma maneira.
Mesmo que de maneira sutil.
Mesmo que sejam só a minha pele e mente envelhecendo.

É um ano diferente. Meu aniversário cai num dia de semana diferente. Os feriados caem em dias de semana diferentes. Às vezes eu viajo, às vezes não.

Às vezes, eu to trabalhando. E mesmo que sempre estudando, tem sempre algo diferente. Os professores mudam, alunos novos entram, alguns antigos saem. As salas mudam. Os diretores mudam. Os reitores mudam.

O verão é mais quente. O inverno mais frio. Eu to mais magra, eu to mais gorda.

Eu corto o cabelo. Pinto. Eu vou à praia.

Eu leio 30 livros. Eu tiro 500 fotos. Faço novos amigos. Como em sushis diferentes. Aprendo uma nova palavra num idioma qualquer.

E mesmo que eu me dirija para o mesmo endereço, a sala tem um móvel trocado de lugar, uma capa nova no sofá ou um pouco mais de poeira no puff.

Meu quarto tem livros novos na estante, um novo postal colado na parede e um recente recadinho fofo da minha mãe pendurado no meu quadro.

A única coisa que ano após ano permanece a mesma, não importa se no Japão teve terremoto, se o aquecimento global está acelarado, se o dólar caiu, se foi descoberto um novo planeta é a [porra da] minha TPM. Mês após mês. Incansável, constante e cruel.

E a cura para isso, ninguém pesquisa, não?